Swell histórico no Rio de Janeiro

Confira o relato de Victor Gioranelli que desafiou as maiores ondas do último swell

Publicada em: 25/08/2017 16:55:51


SWELL HISTÓRICO NO RIO DE JANEIRO


Você provavelmente soube do swell da segunda semana de agosto, viu fotos e vídeos de ondas gigantes surfadas nos lugares mais improváveis do Rio de Janeiro e leu matérias sobre vários surfistas e cinegrafistas que se aventuraram em busca de ondas pela costa.
Agora você vai "sentir na pele" o que foi esse swell que ficou marcado na história de muitas pessoas, como na do surfista e velejador Victor Gioranelli, que partiu com sua equipe para exploração de slabs prováveis em vários pontos do estado. Sua saga começou alguns dias antes já com a previsão do que estava por vir. Toda aventura você vai curtir nas linhas abaixo.

InSIDE Swell
por Victor Gioranelli


Com a confirmação dos sites de previsão informando a possibilidade de um grande swell no quadrante S/SE chegando sexta-feira (11.08.17) no litoral do Rio de Janeiro, vários surfistas locais se movimentaram em uma busca pelas maiores e melhores ondas no litoral.
Na quinta-feira (10.08.2017) estávamos todo excitados, envolvidos na maior correria desgastante e cansativa para organizar tudo a tempo: os equipamentos, a logística, e toda estrutura que seria usada nessa jornada. Diferentes grupos de “Big Riders” se dividiram em busca do melhor lugar. Nosso grupo, formado por Marcelo Trekinho, Henrique Pinguim e eu, estava concentrado em investir na região de Angra dos Reis porque lá existem diferentes lajes de pedras que quebram em várias direções, aumentando nossas chances de êxito em encontrar um “tesouro perdido”.
Resolvemos sair às 4h da madrugada de sexta para podermos dormir em nossas casas, aproveitando melhor o descanso pré-surf. Enquanto isso, o grupo formado por Stephan Fegueiredo, Caio e Ian Vaz, Guilherme Braga  e  Paulo Barcellos, de última hora,  resolveu sair durante a noite de quinta-feira e dormir em Angra. Na manhã de sexta estávamos todos bem cedo reunidos,  acompanhados  de mais uma galera casca grossa, como Pedro Calado, Paulo Curi, Igor Hossmann, Guiga, Marcelão da ready2fly. Depois ainda chegou o Fabiano Passos e um amigo na casa do anfitrião Paulo Curi que nos recebeu muito bem! Com toda estrutura montada, uma equipe de cinegrafistas composta por grandes profissionais da área e um grupo dos melhores surfistas da atualidade, estávamos prontos para desafiar qualquer condição.
Partimos por volta de 7:30 da manhã em direção a entrada da Baia da Ilha Grande para explorar quais lajes estariam quebrando. Depois de uma hora de navegação, encontramos uma direita que já havia sido surfada, mas provavelmente nunca nestas condições. A onda quebra na ponta de uma ilha sobre uma bancada muita rasa de frente para um costão bem próximo e depois corre se dispersando para o canal.
O Stephan Figueiredo “Phan” foi o primeiro a testar a onda e, depois de duas tentativas, pegou uma bomba. Eu pedi para o Trekinho me colocar na sequência, porque estavam chegando cada vez mais surfistas. Vieram também o Renato Phebo, ILan Blank e o Wagnão junto com seu filho Pedro Beta. Fiz um teste numa marola e logo em seguida veio a série.


Victor Gioranelli dropando uma mutante - Foto: Rafael Almeida DOSURF 

O Treko na maior calma de sempre me colocou perfeitamente na onda. Não sei o tamanho. Era bem grande! Só sei que veio lá de trás e consegui entrar no lugar certo. Pensei: está tudo perfeito, vou relaxar e deixar o tubo cair. A onda dobrou de tamanho e quebrou o tubo. Na hora fiquei “em pé” dentro do tubo, vi a lancha no canal e os fotógrafos bem perto. Como tudo aconteceu em fração de segundos, vi um vulto rodando junto de mim. Nessa hora me desconcentrei e cai da prancha, tomando o final do tubo na cabeça. Rapidamente o Trekinho veio me resgatar. Lembro que a correnteza me jogou muito longe do pico. Uns 150 metros sendo arrastado perto do costão e de repente surge o Henrique Pinguim, quase sem forças e mal  conseguindo  respirar. Na hora eu falei para o Treko resgatá-lo. Fiz o procedimento de emergência, acalmando-o. Aos poucos ele foi voltando e sua respiração normalizando. Após o susto, ele comentou:
“Tentei ficar o mais próximo para fazer a foto e não deu tempo de furar a onda. Quando vi, tomei em cheio na cabeça e fiquei muito tempo rodando no fundo. Foi um perrengue!", desabafou.
Nessa hora ninguém viu o que havia acontecido por que todos tomaram na cabeça.  Tanto o Paulo Barcellos, quanto o Igor Hossmann foram bombardeados pela onda. Até mesmo o Guilherme Braga, que estava com o Guiga, fazendo as imagens na garupa do Jet Ski,  tomou essa onda e quase viraram o Jet. O Pinguim foi para o barco recuperar as energias e depois voltou para aproveitar  o  dia incrível que estava acontecendo. Enquanto isso, todos já estavam no line up pegando altas ondas. Troquei de lugar com o Trekinho. Agora era a hora dele!
Entramos em  várias  séries e ele pegou  diversas  ondas,  algumas mutantes e muito rasas na bancada. Colocou pra dentro de algumas e tomou uma “vaca” sinistra em cima das pedras. Infelizmente não tivemos a sorte de encontrar a boa do dia durante o tempo em que eu estava puxando.

Ilan Blank em Angra dos Reis - Foto: Rafael Almeida DOSURF


O Surf estava incrível, grandes nomes estavam ali dentro d’água dividindo a emoção. Destaque para o Pedro Calado que pegou a maior do dia, também para o Paulo Curi que foi nosso anfitrião e botou pra dentro de uma gigante na maior calma. Phan pegou  várias  bombas enquanto o Caio e Ian Vaz estavam se jogando nas impossíveis. Fabiano Passos, o Wagnão,  pegou uma enorme e colou pra dentro em pé. Seu filho, Pedro Beta, Renato Phebo e Ilan Blank também representaram. Todos os presentes se atirando e tentando pegar as melhores ondas.
Voltei para o cabo para tentar mais algumas, pois o vento estava entrando e iria estragar o mar rapidamente. Tentei entrar atrasado numa onda da série e caí no pior lugar possível. Voei lá de cima bem na parte mais rasa... Ufa, que sufoco! Depois tentei outra onda e caí no balanço de retorno que  às  vezes rola quando a onda anterior bate e volta do costão. A prancha foi repuxada e quebrou o leash. Fiquei na zona de impacto e vieram duas ondas enormes na sequências. Achei que iria tomar na cabeça violentamente. Nadei forte e consegui passar por muito pouco, fui jogado pra baixo do pico. O Ian Vaz tentou me resgatar de Jet, mas não conseguiu. O Treko também, mas quem acabou me tirando na última hora com a energia já acabando foi o Wagnão.
Fomos atrás da minha prancha que sumiu na correnteza e, depois de uns 30 minutos procurando, o Paulo Curi a encontrou partida no meio e toda destruída do impacto nas pedras. Durante esse dia, várias pranchas foram quebradas com o poder dessa onda.


Trekinho acererando com estilo - Foto: Rafael Almeida DOSURF 

 

O vento entrou umas 10:30 e acabou com o surf. Em seguida paramos numa área protegida do vento e das ondas e todos foram pra lancha ver o resultado  do  material produzido,  além de comentar sobre esse dia histórico. Logo descobri que, como todos tomaram minha onda na cabeça que foi logo no início da sessão, ninguém conseguiu filmar ou fotografá-la. Fui até zoado porque perguntei se tinham gravado e fiquei meio frustrado... claro que o mais importante era estar  ali  vivendo essa experiência.  A  sensação em poder surfar essa onda é muito maior do que qualquer imagem, mas qual surfista não quer ver o registro da sua onda? No início isso foi difícil, mas tive que aceitar, afinal, a soma do dia havia sido positiva. Todos saíram ilesos, mesmo arriscando suas vidas em uma das ondas mais sinistras e pesadas do Brasil! O resultado está aí! Foi publicado em vários meios especializados  e  bombou nas redes sociais. Não sei dizer o tamanho do mar pois estava bem grande e as imagens falam por si.
Após esse dia inesquecível, era hora de voltar e programar os próximos passos, porque o swell continuava intenso e com a previsão de mudar um pouco a direção mais para E/SE com grandes chances de subir. 
A convite do nosso anfitrião, dormimos em Angra e, no dia seguinte, fomos atrás de outras lajes. As ondas haviam baixado um pouco e encontramos uma esquerda rasa e tubular que fechava em frente a uma bancada exposta de pedras.  Vários  "tubos assassinos" foram surfados e  diversas  pranchas foram quebradas. Muito risco para conhecer mais uma onda.
Depois de dois dias de superação e puxando os limites em Angra dos Reis, essa galera casca  grossa  resolveu voltar para o Rio e tentar investir nas lajes da capital. A previsão do swell era de aumentar e ainda teríamos grandes chances de encontrar boas ondas.


O ENCONTRO COM A BESTA
Na madrugada de domingo,  eu, Trekinho e o Henrique Pinguim partimos novamente para  a famosa Ilha Mãe em Niterói, onde quebra uma onda rara para direita numa bancada rasa.
Nas palavras do Trekinho,  “Essa laje é a mais perfeita, temos que investir”.
Chegamos ao local de partida e já tinha uma galera se concentrando para ir pra mesma onda. Saímos praticamente juntos, e quando chegamos no pico, um barco com uns cinco bodyboarders apareceu. Ficou maior crowd da galera do tow-in, mais o  pessoal  que estava ali pra remar. Sentamos no canal e bateu um desanimo total por causa da quantidade de gente. Não queríamos atrapalhar quem estava remando e o mar, mesmo perfeito, não estava tão grande. Tinham ondas de 6/7 pés com bons tubos na série. Ficamos quase vinte minutos avaliando quando de repente o Treko falou:
“Vamos para baia da Guanabara tentar pegar a Besta”.
Soubemos que o Carlos Burle junto do Alemão de Maresia e outros haviam tentado na sexta-feira mas não havia quebrado. Quando passamos pela ponte Rio Niterói, vimos algumas espumas. Não era certo se teriam condições de surf, mas investimos mesmo assim.
Partimos sozinhos em direção a Baia da Guanabara e, ao chegar, nos deparamos com montanhas d’água enormes quebrando numa bancada bem na boca da saída para o mar. Estava gigante e com uma correnteza jogando para baixo da onda impossível de se posicionar remando. Ficamos eufóricos e impressionados com a força e formação daquela onda. Muita água se movendo. Não parecia que estávamos no Brasil. Parecia um pico internacional de ondas gigantes, mas havia um problema: Como iríamos surfar e deixar o Pinguim na água para registrar, se a correnteza jogava para baixo do pico? Ele iria tomar as ondas na cabeça e seria muito perigoso. Enquanto pensávamos numa forma de viabilizar aquela caída, de repente chegou “a salvação”: dois moleques com um bote inflável vieram ver as ondas do canal. Não lembro o nome deles agora, mas com a ajuda deles, o Pinguim ficou bem posicionado do bote fazendo os registros. Sem o bote, seria impossível!
Trekinho foi para o cabo e eu me posicionei com o jet no line up tentando entender como a onda entrava e qual era o melhor lugar para colocá-lo, pois não haviam muitos pontos de referência. Pra dificultar, na maioria das vezes a onda entrava de lado, atrapalhando o posicionamento. Consegui puxar na primeira e foi logo uma onda boa. Muita emoção só de ver o Treko descendo uma montanha d'água ali na minha frente. O que estava acontecendo era inacreditável e só havia nós dois para surfar essa onda. Ele pegou altas sozinho, a maré foi secando e a cada minuto ficando mais buraco e perigoso. Voltamos até o bote no canal para saber como estava o Pinguim e se ele tinha alguma dica de posicionamento. Foi quando ele falou que a direita começou a rodar uns tubos gigantes. Em seguida trocamos e eu fui para o cabo para ser puxado. Quando entrou a série, só lembro do Trekinho falando para eu ir até a base da onda  porque  mesmo ela me pegando, a foto iria dar a dimensão do tamanho. Fiz o drop e, em uma fração de segundos, estava na base da onda mutante com uma massa d'água logo atrás de mim. Olhei para esquerda e vi que a espuma me pegaria. Olhei para a direita e vi a onda fazendo um buraco e formando um possível tubo. Não pensei duas vezes e virei para direita. Coloquei na parede e esperei a “avalanche” cair. Vi que o tubo iria me esmagar e não deu tempo de abandonar a prancha,  então, fiz a base e esperei explodir em cima de mim. Na hora tomei uma pancada da prancha muito forte na perna direita e rodei várias vezes embaixo d’água. Quando emergi, nadei forte para direita onde tem menos espaço para o resgate e o Trekinho rapidamente me pegou já se posicionando em direção ao “line up”. Foi quando o informei que havia me machucado e estava sangrando. Passei a mão na perna para sentir porque a roupa não rasgou e minha mão ficou toda suja de sangue. Então fomos para o barco, tirei a roupa e me deparei com um furo na perna direita. Foi fundo, dilacerou e perdi tecido, além da pancada muito forte. Os moleques do bote tinham esparadrapo. Fiz uma bandagem e como estava anestesiado pela adrenalina, falei para o Treko que tinha acabado o surf pra mim, mas que ainda era possível puxá-lo  enquanto  a dor não viesse. O Pinguim insistiu que pegássemos a direita. Disse que havia feito a minha imagem, mas não sabia se tinha ficado boa.

Victor Gioranelli na BESTA - Foto: Henrique Pinguim


Fui puxar o Trekinho em mais algumas ondas depois do acidente e tentamos pegar a direita da série. Ele pegou uma muito grande mas ficou atrasado para virar na direita e acabou colocando para esquerda. Em seguida veio a que parecia ser a maior do dia. A onda era gigante e quando ele soltou o cabo pra fazer o drop antes da onda dobrar sobre a bancada, ela deu uma enchida. Ele ficou preso, sem conseguir descer. De repente, eu olhei para trás e estava vindo a maior do dia,  superando  a primeira que encheu. Era um monstro marinho marchando em direção ao meu amigo que havia ficado no meio do caminho. Não havia nada que eu podia fazer. Era rezar para ele conseguir passar. Trekinho começou a remar forte para o outside tentando não tomar na cabeça. Eu vinha logo atrás da onda para resgatá-lo. Quando ela já estava para quebrar, eis que surge atrás da crista o Trekinho... Ufa!!!! Salvo por algumas braçadas. Subimos no jet  e saímos  dali são e salvos. Quando chegamos no barco, ele desabafou:
“Essa onda era tão grande que poderia ter me afogado”.
Sentamos no bote por um tempo e ficamos vendo as séries que não paravam de vir. Tentamos calcular o tamanho das ondas. Uns 20 pés com  séries  maiores talvez.
Ficamos impressionados com o que acabávamos de fazer. Surfamos as maiores ondas que quebraram neste swell histórico no Rio de Janeiro. Demos a sorte de acertar o “tiro”, e, mesmo com pouca estrutura, conseguimos surfar e registrar os momentos pelo simples prazer de acreditarmos que seria possível.
Mas nossa aventura não terminou ali! Voltamos navegando e,  ao chegarmos  no canal da prainha, encontramos com toda galera que ficou surfando na Ilha Mãe. Eles também pegaram altas ondas e vieram nos perguntar sobre o que tínhamos encontrado. Nos juntamos com todos os equipamentos e o Pinguim foi mostrar as fotos. No meio delas, surgiu na tela um vídeo de uma onda sendo surfada para direita e um “maluco” colocando pra dentro. O Treko falou:
- "Meu irmão, tu é maluco de colocar pra dentro dessa onda?"
E eu respondi:
- "Bro, o que eu poderia fazer? Cheguei na base, olhei pra onda e coloquei pra dentro!"
Todos em volta pararam e me olharam... ahahaahahah foi muita emoção!!!
Depois de tudo isso, fomos direto para o hospital Mario Monteiro em Piratininga, onde fui muito bem atendido. Tomei cinco pontos e ganhei um edema enorme na coxa direita por causa da pancada. Muita dor, anti-inflamatório, anti-tetânica por causa da poluição da Baia da Guanabara e repouso até ficar bom para o próximo swell.
Como fiquei me recuperando do acidente, não pude voltar pra água. Soube depois pelos amigos e por tudo que saiu nas redes sociais que esse swell realmente foi histórico. No Sul quebraram ondas enormes, provavelmente as maiores. No Espírito Santo foi surfada uma Laje de Pedra perfeita, e em Saquarema, entre vários outros lugares, ondas surgiram para a alegria de todos.
Feitos inéditos foram realizados, como o meu tubo na Laje da Besta para direita, que nunca fora antes tentado. A primeira onda surfada na remada na “Besta” pelo Caio Vaz, na segunda-feira... Foram 4 dias de muito Surf!
Não teria como agradecer individualmente,  poderia esquecer alguém já que foram muitos os envolvidos, direta ou indiretamente. Eu só tenho uma frase pra resumir: GRATIDÃO a todos os  envolvidos!
A lição que fica é que mesmo correndo o risco real de perder a vida tentando surfar essas ondas, devemos sempre acreditar no que nos motiva. Pode faltar estrutura,  às  vezes até mesmo talento, no meu caso... ahahah. Mas o mais importante é ACREDITAR E IR EM BUSCA. A força de vontade vai fazer com que as coisas aconteçam. Nem sempre será como planejamos, mas buscar e acreditar são as chaves para os caminhos se abrirem!

Aloha!


Victor Gioranelli

 

Quer sentir mais emoção? Confira o vídeo abaixo produzido pelo João Ricardo com imagens aéreas de Cesinha Feliciano da Laje da Besta dia 14/08/2017
(https://www.youtube.com/user/jrjanuzzi88)

Publicada em: 25/08/2017 16:55:51

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